“Nenhum estudo prova que 70% dos brasileiros têm de ficar em casa”, diz infectologista

Um estudo que deve ser divulgado na semana que vem no Brasil deve abaixar a régua estabelecida pelos profissionais de saúde, que convencionou ser necessário que 70% da população fique em casa para evitar a explosão do número de casos da Covid-19.

“Não há dados nacionais que mostrem 70%. Esse é um número importado da experiência da China e da Itália. O que temos visto por aqui é que é possível reduzir esse percentual. Pode ser 50, 40 ou 30%, ainda não dá para precisar porque o estudo não foi concluído”, explica o infectologista Júlio Croda, pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Fiocruz.

Julio Croda participou da equipe do atual ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e atualmente auxilia o comitê de gestão de combate à Covid-19 montado pelo Governo de São Paulo.

Participam do estudo, focado nos dados coletados nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, professores da USP (Universidade de São Paulo), da UNB (Universidade de Brasília), do Instituto Butantan e da Fiocruz, além de pesquisadores de universidades norte-americanas.

Comportamento do vírus

Croda conta que é natural que uma epidemia se desenvolva de maneira diferente de acordo com a região. Em lugares com mais densidade populacional, por exemplo, a infecção é maior, assim como há mais chance de ficarem doentes povos que não têm o hábito de usar máscaras ou se tocam com regularidade, como os brasileiros.

Também entram no cálculo clima, chuvas, higiene, quantidade de eventos públicos e características locais como o transporte mais utilizado: ônibus é mais perigoso que carro particular, por exemplo.

O infectologista explica que o percentual que se busca não é o que vá garantir o fim da propagação, mas seu controle. “Queremos um número que nos mostre que a doença continuará existindo, mas com taxa de infecção inferior a 1 por pessoa.”

O que isso quer dizer? Hoje, no mundo, cada infectado pelo Sars-Cov2 passa o vírus para 2 a 3 pessoas em média. “Os lugares com maior isolamento transmitem menos. Países sem nenhuma política para as pessoas ficarem em casa, superam em muito esse índice.”

São Paulo tem conseguido índices entre 50% e 60% de isolamento, o que, segundo o infectologista da Fiocruz, tem garantido transmissão abaixo de 1 no estado. “É o que vemos acontecer também no Rio de Janeiro”, acrescenta.

Meta não é zerar transmissão

Não se tem a intenção de zerar a transmissão e é importante que ela continue de forma controlada, observa o pesquisador. “Imagine que, sem vacina ou remédiio, ninguém mais passe a Covid para ninguém, e aí chega um turista infectado no país. Toda a epidemia é reacesa, pois não criamos anticorpos suficientes e vamos ter de recomeçar todo o trabalho para combater o vírus.”

Júlio Croda, sempre com a ressalva de que não vai divulgar qualquer dado ou conclusão antes do fim do estudo, comenta que outro objetivo da pesquisa, que utilizou o cruzamento de dados de mobilidade em São Paulo e no Rio nas últimas semanas, é saber por quanto tempo será necessário o isolamento.

Com o tempo, justifica, é natural que a doença vá perdendo força nas trasmissões, porque as pessoas vão adquirindo anticorpos, mas também porque elas passam a ter hábitos de precaução e higiene que não tinham no início da doença. “Pode ser que fique claro, por exemplo, que esse percentual da população que precisa ficar em casa caia no decorrer da pandemia.”

Isolamento continua sendo essencial

Croda, por fim, afirma que esse estudo não tem o objetivo de reduzir o isolamento horizontal (a todas as pessoas), mas entendê-lo, até porque não vê nenhuma alternativa no momento contra o avanço da Covid-19. “Países que tentaram o isolamento vertical e pesquisadores que o estudaram no mundo inteiro não conseguriram provar sua eficácia”, comentou Croda.

O isolamento vertical é o que determina que apenas alguns cidadãos devem permanecer em casa, por fazerem parte dos grupos de risco. No caso do novo coronavírus, idosos, cardíacos, diabéticos, obesos etc.

Para estabelecer por quanto tempo será preciso que a população fique em casa entra na conta ainda a quantidade de leitos hospitalares disponíveis, uma variante essencial para entender o estrago que pode ser feito pela pandemia. “Nesse ponto estamos em situação melhor que vários países da Europa, o que pode ser um indício de que não precisará durar tento tempo o isolamento.”

 

 

 

fonte Correio do Povo