Maioria dos feminicídios no RS são cometidos por homens que não aceitam o fim do relacionamento
Crimes ligados à condição de gênero, os feminicídios estão também intimamente relacionados aos casos de violência doméstica e familiar. É o que aponta a pesquisa feita pela Coordenadoria Estadual das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID) do TJRS, divulgado na segunda-feira,17. Nela, foi analisado o perfil de vítimas e agressores envolvidos em 176 processos que tramitam na Vara Especializada de Feminicídios da Comarca da Capital.
Entre outros dados, o estudo apontou que, em 69% dos casos, as tentativas ou assassinatos de mulheres envolvem os ex ou companheiros atuais das vítimas. Que os crimes acontecem nas casas delas (58%), motivados pela inconformidade com o fim dos relacionamentos e por sentimentos de posse e de ciúmes. E, ainda, em 86% dos casos, essas mulheres não contavam com Medidas Protetivas de Urgência (MPU).
A apresentação virtual, via canal do TJRS no YouTube, foi realizada pela Juíza-Corregedora Taís Culau de Barros, coordenadora da CEVID-TJRS, que detalhou os dados e comentou a respeito de cada item.
Dados da pesquisa
A pesquisa se refere a processos envolvendo crimes tentados (80%) e consumados (20%) contra mulheres. A Juíza Coordenadora da CEVID-TJRS analisou os dados levantados e ressaltou que a iniciativa vai ao encontro do recém instituído Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio (Decreto 10.9026/2021), que estabelece, entre outras medidas, a produção de dados e a gestão da informação entre os atores da rede de enfrentamento.
A idade de vítimas e de agressores é variada. A maior parte dos autores de feminicídios são jovens adultos; 78% têm entre 18 a 43 anos. Da mesma forma, entre as mulheres, 50% estão entre 20 e 38 anos.
A maioria se declarou solteiro (86% dos homens e 83% das mulheres) mas, ao analisar o vínculo entre eles, grande parte são companheiros (29%) e ex-companheiros (40%). “Isso demonstra que a realidade é que os feminicídios estão relacionados não somente à condição feminina, mas também à violência doméstica”, afirmou a Coordenadora da CEVID-TJRS, ressaltando a importância de ações nessa área.
Em relação à cor-raça, entre os agressores, 63% são brancos, 20% pretos, 16% pardos. Entre as vítimas, 61% são brancas, 24% negras, 12% pardas, 1% indígenas. “Se compararmos esse dado com o Censo de 2010 de Porto Alegre, a população branca equivale a 79%. A de cor negra, 10% e a de cor parda, igualmente. Vamos verificar que os feminicídios atingem de forma desproporcional aqueles que são pretos”.
Quanto à escolaridade, a maior parte cursou até o ensino fundamental (62% dos réus e 61% das vítimas).
Outro dado que chama atenção é que somente 27% dessas mulheres têm relação de emprego (formal ou informal). “Isso demonstra a necessidade de atuação em relação a vulnerabilidade financeira das vítimas”, afirmou a Juíza. Já entre os réus, 46% indicam que têm uma fonte de renda.
Por outro lado, 53% das vítimas não se consideram dependentes dos réus. “Mas isso não afasta a questão da vulnerabilidade financeira da vítima que foi apurada na pesquisa”.
O tempo de relacionamento é disperso, sendo a média de 4,5 anos. A grande maioria (58%) não tem filhos em comum. Já 33% tem filhos juntos.
Sobre o réu, é alto o uso de álcool (53%) e de drogas (48%). No momento em que a pesquisa foi feita, 48% dos réus estavam soltos e 45% presos.
48% dos processos analisados não tinham o formulário de risco preenchido, documento obrigatório, respondido pela vítima ao chegar na Delegacia, informando todos os dados com relação ao fato e aos envolvidos. “Ele é essencial para que se analise o risco daquela vítima no momento da ocorrência policial”, explicou a Juíza a Taís.
O local onde estes crimes acontecem, na maioria das vezes, é a residência da própria vítima (58%). “Ou seja, onde elas deveriam estar mais protegidas. Isso demonstra, mais uma vez, que os nossos feminicídios estão relacionados com a violência doméstica”, considerou ela.
As armas utilizadas nesse tipo de crime são as brancas (53%), de fogo (19%) ou as próprias mãos (17%).
Outras informações apontam ainda que 58% dos réus já tiveram alguma prisão anterior, 85% respondem a outros tipos de processos criminais e 70% respondem por processos de violência doméstica. “Se destaca a necessidade de atuarmos com os grupos reflexivos de gênero porque esta é uma das formas mais eficazes de se evitar reincidência dos réus nos processos de violência doméstica”.
86% dos processos aconteceram em momento em que a vítima não tinha Medida Protetiva de Urgência vigente. “Esse é um dado de destaque porque ele comprova que MPUs salvam vidas, que são essenciais. Há uma atuação falha da rede como um todo, pois essas vítimas não conseguiram ser inseridas na rede a tempo de evitar esse crime”.
Os fatores causadores desses crimes são variados. “Mas 69% dos processos estão relacionados a términos de relacionamentos, sentimentos de posse e ao sentimento de ciúmes excessivo por parte do agressor”, destaca a magistrada.
Feminicídios consumados
Dos 176 processos, 34 envolvem feminicídios consumados. As características de perfil de réu e de vítima são muito semelhantes aos que se referem às tentativas. A maior parte são mulheres jovens de 18 a 38 anos, 63% brancas e 22% negras. Já os réus, 79% são brancos e 16% negros.
No que se refere à escolaridade, 63% das vítimas têm o ensino fundamental, assim como 55% dos réus. O tempo de relacionamento também é disperso, tendo uma média de 4,25 anos.
Igualmente, 64% dos réus já tinha prisão anterior, 82% respondem a outros processos criminais e 50% estavam envolvidos em processos de violência doméstica. 44% deles declararam fazer uso de drogas e de álcool.
No ato do crime, 85% das vítimas não tinha MPU e o mesmo percentual delas não havia preenchido o formulário de risco.